Para o consulado da Áustria em ocasião do evento realizado por Jorge Mautner sobre cultura brasileira e o escritor autríaco Stefan Sweig, autor de “Brasil, País do Futuro”, em dezembro de 2008.
Por Jean Kuperman.
As projeções provocantes de Stefan Zweig que exaltam o Brasil como o país do futuro parecem ter encontrado eco desde então. Passaram a fazer parte de um imaginário popular que, de alguma forma, seja aceitando ou rejeitando o rótulo, se identificava com a ideia, mesmo que nem lhe ocorresse de que se tratava de um livro, quanto mais de Stefan Sweig. Na aurora do séc. XXI, gigante pela própria natureza ou pelo eterno berço esplêndido das contradições humanas, para algumas dessas previsões, novas interpretações já podem ser feitas.
Para além de lutas travadas no passado, que tanto serviram para abastar os exploradores, fomentar a miséria dos explorados e que continuam sendo mimetizadas por interesses sórdidos, temos hoje um momento nunca experimentado na democracia e nas relações diplomáticas. O que nos faz perguntar se acaso são mudanças reais. Com o país politicamente elevado a uma nova categoria no cenário global de redefinição dos papéis e organização dos modelos, seu imaginário vai sendo reconstituído com o selo do poder. Certo que em meio a tantos escândalos, abusos, impunidade, quem poderia explicar balanços positivos? Mas pela primeira vez nunca se teve tanta independência, o próprio leme econômico nas mãos e a imensa reserva ainda intacta de matérias primas monitorada por um sistema em elaboração. O que implica, é claro, em maiores responsabilidades.
O panorama atual tem, entretanto, o mesmo tamanho das formas de sabotagem. As práticas de mercado cumprem a função reguladora de um planeta conectado, mas precisam lidar com condutas governamentais, com equilíbrio de forças atávicas, com a autogestão e seus humores. E nos paradoxos do novo século, que inicia sob auspícios de nacionalismos melindrosos, entre liberdade e vigilância, informação e alienação, qualidade de vida e consumo, desenvolvimento e ecologia, direitos humanos e fanatismo, em cada cena se infiltra a cultura. Agente diferenciador capaz de gerar profundas discórdias mas também elementos de identificação, as culturas são apontadas como um dos pilares de transformação mundial.
O Brasil, com graves problemas sociais, tem, por isso, a contribuir. Talvez aí esteja a leitura do “país do futuro” que interessa e se revela: um país continente, um acontecimento que profetiza o encontro das culturas. Qualquer ufanismo parece pequeno diante da descoberta humana que se dá na formação do povo brasileiro. O país do futuro, já que também descobre a si próprio. O convívio que um mundo de transmigrações terá que produzir para seu bem estar.
Onde tribos índigenas ainda vivem numa floresta de tamanhas proporções? Onde escravos africanos, em muitos casos inimigos de guerras em seus territórios de origem reconstruíram suas tradições com tanta diversidade? Onde a história reinicia e a cultura renasce transtribalizada pelos que escrevem novos capítulos da matriz indígena, da diáspora negra, da imigração dos refugiados? Macunaíma, o herói sem caráter de Mário de Andrade, e tudo o que foi tomado por falta de identidade, ressurge a cada instante.
Um lugar que pudesse aceitar e abrigar inúmeras culturas precedentes, nas palavras de Camões, Padre Antônio Vieira e Fernando Pessoa, seria o caldeirão formador do quinto império cultural. Das religiões que vieram a compor o povo das Américas, enquanto a herança anglo-saxã da América do Norte está na ética reformada, protestante e puritana, as bandas do sul, latinas, católicas e onde o paganismo encontra terreno muito mais fértil, herança de um catolicismo repleto de santos e práticas profanas na Idade Média.
As projeções provocantes de Stefan Zweig que exaltam o Brasil como o país do futuro parecem ter encontrado eco desde então. Passaram a fazer parte de um imaginário popular que, de alguma forma, seja aceitando ou rejeitando o rótulo, se identificava com a ideia, mesmo que nem lhe ocorresse de que se tratava de um livro, quanto mais de Stefan Sweig. Na aurora do séc. XXI, gigante pela própria natureza ou pelo eterno berço esplêndido das contradições humanas, para algumas dessas previsões, novas interpretações já podem ser feitas.
Para além de lutas travadas no passado, que tanto serviram para abastar os exploradores, fomentar a miséria dos explorados e que continuam sendo mimetizadas por interesses sórdidos, temos hoje um momento nunca experimentado na democracia e nas relações diplomáticas. O que nos faz perguntar se acaso são mudanças reais. Com o país politicamente elevado a uma nova categoria no cenário global de redefinição dos papéis e organização dos modelos, seu imaginário vai sendo reconstituído com o selo do poder. Certo que em meio a tantos escândalos, abusos, impunidade, quem poderia explicar balanços positivos? Mas pela primeira vez nunca se teve tanta independência, o próprio leme econômico nas mãos e a imensa reserva ainda intacta de matérias primas monitorada por um sistema em elaboração. O que implica, é claro, em maiores responsabilidades.
O panorama atual tem, entretanto, o mesmo tamanho das formas de sabotagem. As práticas de mercado cumprem a função reguladora de um planeta conectado, mas precisam lidar com condutas governamentais, com equilíbrio de forças atávicas, com a autogestão e seus humores. E nos paradoxos do novo século, que inicia sob auspícios de nacionalismos melindrosos, entre liberdade e vigilância, informação e alienação, qualidade de vida e consumo, desenvolvimento e ecologia, direitos humanos e fanatismo, em cada cena se infiltra a cultura. Agente diferenciador capaz de gerar profundas discórdias mas também elementos de identificação, as culturas são apontadas como um dos pilares de transformação mundial.
O Brasil, com graves problemas sociais, tem, por isso, a contribuir. Talvez aí esteja a leitura do “país do futuro” que interessa e se revela: um país continente, um acontecimento que profetiza o encontro das culturas. Qualquer ufanismo parece pequeno diante da descoberta humana que se dá na formação do povo brasileiro. O país do futuro, já que também descobre a si próprio. O convívio que um mundo de transmigrações terá que produzir para seu bem estar.
Onde tribos índigenas ainda vivem numa floresta de tamanhas proporções? Onde escravos africanos, em muitos casos inimigos de guerras em seus territórios de origem reconstruíram suas tradições com tanta diversidade? Onde a história reinicia e a cultura renasce transtribalizada pelos que escrevem novos capítulos da matriz indígena, da diáspora negra, da imigração dos refugiados? Macunaíma, o herói sem caráter de Mário de Andrade, e tudo o que foi tomado por falta de identidade, ressurge a cada instante.
Um lugar que pudesse aceitar e abrigar inúmeras culturas precedentes, nas palavras de Camões, Padre Antônio Vieira e Fernando Pessoa, seria o caldeirão formador do quinto império cultural. Das religiões que vieram a compor o povo das Américas, enquanto a herança anglo-saxã da América do Norte está na ética reformada, protestante e puritana, as bandas do sul, latinas, católicas e onde o paganismo encontra terreno muito mais fértil, herança de um catolicismo repleto de santos e práticas profanas na Idade Média.
Mosaico tropical, lugar de convívio imediato, que em tantas ocasiões devorou aventureiros ou dizimou populações nativas, onde se faz possível a compreensão do exílio e da diáspora como retorno. Identidade traduzida por gentileza primitiva, o primeiro lampejo diante do estrangeiro pode ter sido de inocência mútua. Seja dos que chegaram por migrações das “Índias" num passado remoto, dos que acreditaram ter descoberto o paraíso, dos que vieram em busca de nova esperança, dos que aportaram sem escolha - exploradores ou colonizadores, degredados, escravos, refugiados, clandestinos, imigrantes em geral, e agora os turistas - sob a soberania do amor e do perdão, feitos da consagração do absurdo.
No mito fundador, nas profecias, no sebastianismo, nos Ifás do candomblé, as diversas tradições no Brasil não se afirmam em superações, mas em traduções umas às outras. Ou nas palavras de Isaías (11:6) "o lobo morará com o cordeiro, o leopardo se deitará com o cabrito. O bezerro, o leãozinho e o gordo novilho andarão juntos e um menino pequeno os guiará". Onde bastaria coexistência, congraçamento; onde bastaria tolerância, celebração; onde bastaria simpatia, amor. Por isso a surpresa, a cada vez, da folia de uma ginga redentora.
No mito fundador, nas profecias, no sebastianismo, nos Ifás do candomblé, as diversas tradições no Brasil não se afirmam em superações, mas em traduções umas às outras. Ou nas palavras de Isaías (11:6) "o lobo morará com o cordeiro, o leopardo se deitará com o cabrito. O bezerro, o leãozinho e o gordo novilho andarão juntos e um menino pequeno os guiará". Onde bastaria coexistência, congraçamento; onde bastaria tolerância, celebração; onde bastaria simpatia, amor. Por isso a surpresa, a cada vez, da folia de uma ginga redentora.
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