Gemido de mixoetnias mal amadas e amalgamadas. Burburinho da rua dos reis errantes. Crônicas em fragmentos, manifestos de passagem, churrasquinho na calçada, altar do grande templo, personagens em transe, forasteiros em trânsito, zigue-zagues pelo grande gueto planetário onde quilombos encontram ecos de resistência. Xei de Exu inda por cima. Não só música excluída, mas a transfiguração dos excluídos. Música popular borralheira dos brejos de algum lugar, porque para os inquietos e os desajustados o carnaval continua...

16 de set. de 2012

Black Jihad


O profeta Maomé foi um mercador. O comércio já era tradição na sua época e desde muito antes entre os árabes. Atividade dominada por estes, suas caravanas cruzavam os continentes e trocavam informações. Acima de tudo, aproximavam pessoas de lugares diferentes com línguas e costumes diferentes. Parece que foi um sucesso capitalista e um lampejo da aldeia global.

Com a expansão dos califados e a islamização da África subsaariana, consequentemente com a guerra religiosa camuflando interesses econômicos, um enorme capítulo da história das Américas começa a ser escrito. Segundo registros, data do séc. XV o primeiro episódio de africanos subsaarianos levados por portugueses como escravos para a Europa. O comércio se desenha a partir dali em escala mercantilista. Até então o escravo não era um produto de mercado - ainda que pudesse servir como moeda de troca - mas fruto de conquistas territoriais e migrações.

Com a expansão marítima, os escravos passam a ser um objeto valioso e a escravidão, um problema racial em elaboração. O maior mercado negro foi de fato negro, escravo e cruel. Guerras civis entre grupos religiosos alimentaram o negócio. O confronto entre muçulmanos e nações africanas tradicionais, ou mesmo entre as próprias etnias islamizadas, serviram os colonizadores da matéria prima que abarrotou os tumbeiros dos navios negreiros.

Mas através da escrita árabe - uma vez que etnias não islamizadas eram de culturas orais - as primeiras histórias do Brasil puderam ser também registradas pelo lado colonizado, e não só pelo colonizador.

Mais que isso, uma parte dos prisioneiros africanos que serviu ao tráfico vendida como escravos, e que era de religiões conquistadas por muçulmanos ainda em território africano, invocou o Islã em terras brasileiras. Eram africanos que buscavam na escrita, entre outras coisas, formas de ampliar suas capacidades humanas. Ou seja, mesmo tendo chegado no Brasil por resultado de uma guerra religiosa que os fez prisioneiros ainda na África, e depois, escravos dos portugueses, esses africanos se uniram sob a égide muçulmana clamando por liberdade. Da mistura de etnias mais ou menos islamizadas seguiram-se várias rebeliões, dentre elas o maior levante urbano de escravos das Américas, em Salvador, a Revolta dos Malês. Salamaleicum.

Mais do que isso? Só o que a música, o candomblé, a capoeira, a culinária e tantas outras manifestações populares tratam de relatar, contar e perpetuar de um caldeirão sem fundo, de rastros infinitos, maior do que qualquer ideologia ou religião, melhor do que qualquer registro escrito, mais vivo do que nunca.

14 de set. de 2012

Al-umiada e o turco Abu


Sufi. Surfe. Derviche. Rodopia, tudo gira. A seita alumiada ou aceita a lumiada. A maldição é cativeiro e liberdade. Quanto mais cativo, menos livre. Fissura, fissão. Quanto mais livre, menos cativo. De repente a liberdade, se perde o sentido libertário, pode se tornar o mal em si. E que está no vazio de violar o espaço cativado, coitado, tão esgarçado, mas onde as cercas não deixam de existir. É como diz Antônio Abujamra: "vão, enforquem-se na corda da liberdade".

3 de jun. de 2012

Terrorismo Amoroso


A rua não espera. Precisa ser sacudida do torpor de cola, da carência de arte, humanidade, colorido. O terrorismo amoroso vai no carnaval de rua. Fagulha para acordar quem anda no espaço urbano feito sonâmbulo. Memória festiva, ideologia dos encontros.
Por outro lado, os passos de cada um cabem no celular. Sua nova arma. Quântica é a magia das banalidades e os arquitetos do acaso. Vós seres virtuais. Neo-rebelião. Vrum. Picada de abelha, frechada do cupido. A surpresa feito rapto dos sentidos. Vruum. Aiô, Silva! Salve o cavaleiro Jorge. Só as festas e festejos são reveladores do transtribalismo. Embala, neném! Qualquer forma de estar que não inclua a celebração caminha para o tédio. Baticum, ziriguidum, dois mil e um, só tem aqui. Transporte público com música ao vivo e cerveja gelada, só tem aqui.

25 de mar. de 2012

Templo sem Teto

Os primeiros templos pagãos - e mesmo no Egito antigo de Akhenaton, onde a ideia de Deus único tem com os israelitas um encontro de águas - não tinham teto.

A cultura egípcia guarda mistérios originários do berço da civilização. Pelo historiador das religiões Mircea Eliade, o Corpus Hermeticum, de Hermes Trismegisto, foi o primeiro texto egípcio traduzido posteriormente do grego para o latim, antes mesmo dos Diálogos de Platão. Por outro lado, pode ser atribuída à Tábua de Esmeraldas, também de Trismegisto, o início da alquimia árabe. Os próprios califados têm papel fundamental na passagem desse conhecimento para o mundo moderno. O que mostra a importância que os tratados alquímicos tiveram até a Idade Média. Isaac Newton, sendo ele mesmo um alquimista, representa a última grande tentativa de comunhão entre a ciência e a alquimia, tendo prevalecido suas teorias científicas e com elas a visão científica do mundo.

E assim também muda a relação do homem com o tempo e com o espaço. Os templos projetaram uma sacralização recente do espaço, antecedidos pelo desejo de ligação cósmica na aurora da humanidade. As cercas e paredes são conquistas que balizam a embriaguez do céu. O teto termina fechando a tampa da visão cosmogônica que o paganismo inaugura.