O profeta Maomé foi um mercador. O comércio já era tradição na sua época e
desde muito antes entre os árabes. Atividade dominada por estes, suas caravanas cruzavam os continentes e trocavam informações. Acima de tudo, aproximavam pessoas de lugares diferentes com línguas e costumes diferentes. Parece que foi um sucesso capitalista e um lampejo da
aldeia global.
Com a expansão dos califados e a islamização da África
subsaariana, consequentemente com a guerra
religiosa camuflando interesses econômicos, um enorme capítulo da história das Américas começa a ser escrito. Segundo registros, data do séc. XV o primeiro
episódio de africanos subsaarianos levados por portugueses como escravos para a
Europa. O comércio se desenha a partir dali em escala
mercantilista. Até então o escravo não era um produto de mercado - ainda que pudesse servir como moeda de troca - mas fruto de conquistas territoriais e migrações.
Com a expansão marítima, os escravos passam a ser um objeto valioso e a escravidão, um problema racial em elaboração. O maior mercado negro foi de fato negro, escravo e cruel. Guerras civis entre grupos religiosos alimentaram o negócio. O confronto entre muçulmanos e nações africanas tradicionais, ou mesmo entre as próprias etnias islamizadas, serviram os
colonizadores da matéria prima que abarrotou os tumbeiros dos navios negreiros.
Mas através da escrita árabe - uma vez que etnias não
islamizadas eram de culturas orais - as primeiras histórias do Brasil puderam ser também registradas pelo lado colonizado, e não só pelo colonizador.
Mais que isso,
uma parte dos prisioneiros africanos que serviu ao tráfico vendida como
escravos, e que era de religiões conquistadas por muçulmanos ainda em
território africano, invocou o Islã em terras brasileiras. Eram africanos que buscavam na escrita, entre outras coisas, formas de ampliar suas capacidades humanas. Ou seja, mesmo
tendo chegado no Brasil por resultado de uma guerra religiosa que os
fez prisioneiros ainda na África, e depois, escravos dos portugueses, esses africanos se uniram sob a égide muçulmana clamando por liberdade. Da mistura de etnias mais ou menos islamizadas seguiram-se várias rebeliões, dentre elas o maior levante urbano de escravos das Américas, em Salvador, a Revolta dos Malês. Salamaleicum.
Mais do que
isso? Só o que a música, o candomblé, a capoeira, a culinária e tantas outras manifestações populares tratam de relatar,
contar e perpetuar de um caldeirão sem fundo, de rastros infinitos, maior do
que qualquer ideologia ou religião, melhor do que qualquer registro escrito, mais
vivo do que nunca.